Com a palavra, os especialistas

Com a palavra, os especialistas

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Dentro ou fora da Odontologia, os especialistas têm papel importante na descoberta de novidades. Mas quais especialistas devemos seguir?

Quando a gente se forma em Odontologia, o nosso sonho imediato é fazer uma especialização e, assim, nos tornarmos especialistas em alguma área. Eu ainda me lembro bem de ficar olhando a minha carteira profissional de cirurgião-dentista, fitando o meu primeiro título de especialista, devidamente ali registrado. Afinal de contas, ser especialista me tirava da vala comum dos “sem especialização”. Ser especialista me diferenciava a ser melhor do que os outros em uma determinada área da Odontologia.

Como eu fiz uma especialização logo que me formei, pude observar que o meu título realmente era muito importante, que eu havia adquirido mais conhecimento e que poderia colocar esses conhecimentos em prática no meu dia a dia clínico de cirurgião-dentista. Porém, o que mais me chamou a atenção após eu ter concluído o meu primeiro curso de especialização é que, ao final dele, eu tinha muito mais dúvidas do que certezas.

Na verdade, quando você estuda alguma coisa em Ciência, você começa a observar que sempre existem duas ou três correntes de pensamentos sobre um mesmo assunto ou técnica. Todas estas correntes geralmente apresentam comprovações científicas sobre o que defendem, algumas mais que outras, mas quase todas acabam relatando algum tipo de evidência científica, que ratifica a técnica defendida. Isso dificulta sobremaneira o estabelecimento de consensos que descartem totalmente outra técnica, e até mesmo os conceitos sobre determinada doença.

Na Periodontia, temos vários exemplos disso, e alguns persistem até hoje. O caso mais conhecido é o da “raspagem a campo fechado versus raspagem a campo aberto”.  Até hoje observamos correntes científicas defendendo uma ou outra técnica. Sem falar nos métodos de diagnóstico e na classificação das doenças periodontais que, pelo menos a cada 20 anos, aproximadamente, acabam mudando. Assim, aquilo que muitos defendiam torna-se indefensável, enquanto conceitos tidos como ultrapassados voltam à tona. É a roda viva do conhecimento que não segue um padrão único.

Atualmente, vivemos este mesmo dilema, diante da ameaça do coronavírus (Covid-19). Como salvar o máximo de vidas em um curto espaço de tempo? Investindo pesado em testes? Isolamentos? Focar nos tratamentos, mesmo que sejam experimentais? São muitas perguntas sem respostas exatas. Vamos, então, seguir o que dizem os especialistas. A recomendação parece sensata à primeira vista, mas não resiste muito tempo se resolvermos ser questionadores. O caminho mais curto para rejeitar esse tipo de afirmação é fazer uma simples pergunta: quais especialistas?

Esta epidemia extrapola a área médica, tendo seus reflexos de perdas de vidas humanas também na área econômica, exigindo a ação de vários especialistas de diversas áreas. Assim, cada especialista terá apenas uma visão de parte do problema. Nenhuma equipe de especialistas será capaz de lidar com toda a complexidade do que estamos enfrentando. A doença é nova e não existem consensos, apenas alguns direcionamentos. Cada pessoa precisa usar a própria consciência, indo além do método científico, para compreender como esses diversos aspectos se conectam na sua realidade.

Então, a quem devemos seguir? Quando os nossos formadores de opinião nos conclamam a seguir “a Ciência”, eles geralmente se referem às posições de determinadas organizações. Temos aí, portanto, mais uma camada para erros ― acidentais ou propositais. Os cientistas estão sujeitos às mesmas pressões que pesam sobre todos os seres humanos: interesses financeiros, preferências ideológicas e disputas políticas. Entre a posição de um pesquisador individual e o consenso oficial de uma organização, há uma distância mais do que suficiente para que a mensagem final seja distorcida, nos levando para um caminho não tão promissor.

Desta forma, devemos continuar pesquisando e enfrentando esta pandemia, tentando tomar as melhores decisões possíveis dentro do que vamos descobrindo a cada dia. Em todo campo científico, é justamente a competição que move a busca por novas e melhores explicações, frequentemente levando ao abandono de teses antigas. “A Ciência é um cemitério de hipóteses, não um canteiro de conclusões”, como Silvio Grimaldo bem definiu, em uma excelente thread no Twitter.

Assim, há de se reconhecer que não está sendo fácil adotar posições em um momento tão difícil pelo qual passa a humanidade e a Ciência. Eu realmente não queria estar na pele das autoridades mundiais e nacionais, pois está muito difícil tomar decisões. Elas podem estar certas, podem estar erradas, podem ser extremamente cuidadosas ou demasiadamente arrojadas. Em um primeiro momento, as pessoas tendem a apoiar decisões que parecem defender a vida acima de tudo, mas vai bastar apenas um pequeno movimento dos resultados na direção contrária, para que os profissionais que estão defendendo um ponto de vista, passem a ser os ferozes algozes deste mesmo posicionamento.

Finalizo desejando uma Feliz Páscoa a todos. A Páscoa celebra, para os Cristãos, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo. Em um momento de comoção mundial, em que queremos preservar nossas vidas a todo custo, não esqueçamos daquele que, mesmo sendo o autor da vida, se entregou à morte para nos salvar!

Sugestão de leitura

 Lucas Mafaldo. <brasilsemmedo.com>. Acesso em: 5-4-20.

“O Senhor aboliu a sentença contra ti, exterminou o teu inimigo; o Senhor, o rei de Israel, está no meio de ti; tu não precisarás mais ter medo de alguma desgraça. Naquele dia se dirá a Jerusalém: não tenhas medo, ó Sião, não se acovardem. O Senhor teu Deus, o poderoso, está no meio de ti, como valente libertador. Por tua causa Ele está contente e alegre, apaixonado de amor por ti, por tua causa está saltando de alegria.” (Sofonias 3: 15-17)