Cirurgias bucais versus antirreabsortivos ósseos

Cirurgias bucais versus antirreabsortivos ósseos

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Eduardo Dias de Andrade responde perguntas sobre o uso de antirreabsortivos ósseos durante o tratamento odontológico.

Perguntas postadas no Grupo Perio-Implantar, do Facebook.
“O paciente fez uso de um único comprimido de ibandronato de sódio 150 mg (Sintesys) há cinco meses. Ele pode ser submetido a uma extração sem riscos à cicatrização óssea?”

Sim. Acredito que os riscos de interferência negativa no processo de reparo alveolar ou de ocorrência da osteonecrose dos maxilares sejam mínimos. De acordo com as recomendações do Conselho de Assuntos Científicos da American Dental Association (ADA), nas exodontias ou outras cirurgias bucais, considere uma técnica conservadora com fechamento da ferida por primeira intenção. A colocação de membranas semipermeáveis sobre a ferida cirúrgica pode ser apropriada caso a sutura básica não seja possível1.

No pós-operatório, oriente o paciente a higienizar a boca de maneira cuidadosa, com o objetivo de desorganizar os biofilmes dentários para, em seguida, bochechar suavemente uma solução de digluconato de clorexidina 0,12% até completar o processo de reparo. O regime mais preconizado é o de duas vezes ao dia, durante quatro a oito semanas1.

Para segurança, sugiro elaborar um termo de consentimento informado, documento que possibilita ao paciente expressar sua vontade em consentir a realização da exodontia, após esclarecimento detalhado sobre as possíveis complicações pós-operatórias, sejam precoces ou tardias.

REFERÊNCIA

  1. Hellstein JW, Adler RA, Edwards B, Jacobsen PL, Kalmar JR, Koka S et al. American Dental Association Council on Scientifi c Affairs Expert Panel on Antiresorptive Agents. Managing the care of patients receiving antiresorptive therapy for prevention and treatment of osteoporosis: executive summary of recommendations from the American Dental Association Council on Scientifi c Affairs. J Am Dent Assoc 2011;142(11):1243-51.

“Uma paciente utilizava a medicação ibandronato de sódio 150 mg, um comprimido ao mês, durante quatro anos, e parou de usar há cinco meses. Ela gostaria de fazer um protocolo inferior. Quanto tempo devo esperar?”

Segundo a American Association of Oral and Maxillofacial Surgeons (AAOMS), a incidência da osteonecrose dos maxilares (ONM) é dependente da patologia a ser tratada1. Em um dos estudos citados pela AAOMS, se as tomadas dos bifosfonatos a longo prazo forem destinadas ao tratamento da osteoporose, dados epidemiológicos mostram que a incidência de ONM é estimada em 0,1% (dez casos em dez mil) aumentando para 0,21% (21 casos em dez mil) após quatro anos de tratamento2.

Aproximadamente 50% das doses administradas dos bifosfonatos se concentram no esqueleto, especialmente em sítios nos quais a remodelação óssea é muito ativa, como ocorre no período pós-operatório das exodontias, alveoloplastias, enxertias ósseas ou inserção de implantes. Nestes casos, os bifosfonatos inibem a reabsorção óssea de superfície, sendo posteriormente incorporados ao tecido ósseo3.

É difícil estabelecer um período seguro de retirada do ibandronato de sódio em indivíduos que requerem extração dentária ou inserção de implantes, pois este tema ainda é muito controverso, com poucos dados para apoiar as recomendações atuais.

Em 2009, a AAOMS recomendava a interrupção dos bifosfonatos orais três meses antes e três meses após cirurgias dentoalveolares, desde que as condições sistêmicas permitissem1.

Em 2011, o Conselho de Assuntos Científicos da ADA revisou a recomendação prévia da suspensão do uso dos bifosfonatos orais, sugerindo que pacientes que recebessem doses cumulativas mais baixas (< dois anos) pudessem continuar a terapia antirreabsortiva durante o tratamento odontológico invasivo4.

Em 2015, uma revisão sistemática, com o objetivo de estabelecer um consenso internacional, passou a recomendar a suspensão temporária do tratamento com os bifosfonatos até o completo reparo da ferida cirúrgica em pacientes com maior risco de desenvolvimento da ONM, incluindo aqueles com maior exposição cumulativa (> quatro anos) e os que apresentam fatores de risco de comorbidades, como artrite reumatoide, tratamento prévio ou atual com corticosteroides, diabetes e tabagismo5.

Com base na fisiologia óssea e na farmacocinética dos bifosfonatos, Damm & Jones argumentaram que, como 50% da sua concentração sérica sofre excreção renal, o principal reservatório da droga é o osteoclasto, cuja vida útil é de duas semanas. Assim, o nível do bifosfonato livre no soro seria extremamente baixo dois meses após a última dose por via oral e, talvez, a interrupção da medicação por este período seja adequada antes da cirurgia bucal6.

O comitê da AAMOS reconhece que ainda não há evidências sólidas para suportar ou refutar os benefícios da suspensão temporária dos bifosfonatos orais em tratamento da osteoporose. No entanto, um benefício teórico ainda pode se aplicar a pacientes com história de exposição prolongada (> quatro anos), e a estratégia descrita por Damm & Jones talvez seja uma abordagem prudente para esses pacientes1.

Sugiro que você troque informações com o médico que trata a paciente para, em conjunto, decidirem a melhor conduta. Também é especulado que a profilaxia antibiótica sistêmica pode ser benéfica na prevenção da ONM. Em um estudo clínico comparativo com 75 voluntários submetidos a cirurgias bucais, dos quais 43 receberam profilaxia antibiótica, foram constatados oito casos de ONM, todos ocorrendo em pacientes do grupo-controle7. Portanto, a princípio, não há contraindicação formal da realização do protocolo inferior, lembrando dos cuidados redobrados de assepsia, antissepsia e manutenção da cadeia asséptica, bem como da manutenção da higiene bucal pós-operatória.

REFERÊNCIAS

  1. Ruggiero SL et al. American Association of Oral and Maxillofacial Surgeons. Position paper on medication-related osteonecrosis of the jaw – 2014 update. J Oral Maxillofac Surg 2014;72(10):1938-56.
  2. Lo JC, O’Ryan FS, Gordon NP et al. Prevalence of osteonecrosis of the jaw in patients with oral bisphosphonate exposure. J Oral Maxillofac Surg 2010;68(2):243-53.
  3. Amorim M, Rossetti PHO, Moraes SLC. Bifosfonatos: uma solução ou um problema? INPerio 2018;3(3):408-14.
  4. Hellstein JW, Adler RA, Edwards B, Jacobsen PL, Kalmar JR, Koka S et al. American Dental Association Council on Scientific Affairs Expert Panel on Antiresorptive Agents. Managing the care of patients receiving antiresorptive therapy for prevention and treatment of osteoporosis: executive summary of recommendations from the American Dental Association Council on Scientific Affairs. J Am Dent Assoc 2011;142(11):1243-51.
  5. Khan AA, Morrison A, Hanley DA et al. Diagnosis and management of osteonecrosis of the jaw: a systematic review and international consensus. J Bone Miner Res 2015;30(1):3-23.
  6. Damm DD, Jones DM. Bisphosphonate-related osteonecrosis of the jaws: a potential alternative to drug holidays. Gen Dent 2013;61(5):33-8.
  7. Montefusco V, Gay F, Spina F, Miceli R, Maniezzo M et al. Antibiotic prophylaxis before dental procedures may reduce the incidence of osteonecrosis of the jaw in patients with multiple myeloma treated with bisphosphonates. Leuk Lymphoma 2008;49(11):2156-62.

“Uma paciente quer colocar implantes, mas toma Prolia (denosumabe) desde 2016 ou 2017. Estudei que ele não se enquadra na categoria de bifosfonatos, apesar de ter a mesma função antirreabsortiva, pois o mecanismo de ação é diferente. A meia-vida dele é de 26 dias, muito diferente dos dez anos dos bifosfonatos. Alguma informação sobre efeito residual no organismo? A literatura cita osteonecrose, mas li que ele não se acumula fortemente às células do tecido ósseo, além de ter uma eliminação muito rápida. É seguro depois da meia-vida ou não?”

O denosumabe é um anticorpo IgG2 monoclonal humano que também inibe a reabsorção óssea, mas por um mecanismo totalmente diferente dos bifosfonatos. Ele se liga ao RANK-L (receptor activator for nuclear factor-Kappa B ligand), uma citocina fundamental na formação, função e sobrevivência dos osteoclastos, bloqueando a produção destas células e, consequentemente, o processo de reabsorção óssea1.

O denosumabe é apresentado na forma de solução injetável para uso por via subcutânea. O Prolia (60 mg/mL) é administrado a cada seis meses, e o Xgeva (120 mg/1,7 mL) mensalmente, mas este último apenas em ambiente hospitalar.

Apesar da meia-vida tecidual ser muito mais curta que a dos bifosfonatos, o emprego do denosumabe também está associado à osteonecrose dos maxilares (ONM) em pacientes com osteoporose ou doenças ósseas metastáticas.

Independentemente das indicações terapêuticas, a duração da terapia antirreabsortiva com denosumabe parece ser um fator de risco para o desenvolvimento da ONM, com incidência que varia de 0,7% a 1,9% (70-90 casos por dez mil indivíduos)2.

Recentemente, 63 casos de ONM diagnosticados em dois centros clínicos e relacionados ao denosumabe foram alvo de um estudo retrospectivo. Foram analisados dados demográficos, comorbidades, uso de medicamentos antirreabsortivos, evento local anterior, localização, estágio da doença, tratamento e resultados do tratamento3.

A média de idade dos pacientes foi de 70 ± 9 anos. O denosumabe foi o único medicamento antirreabsortivo recebido em 50,8% dos pacientes. A descontinuação do denosumabe antes do tratamento foi registrada em 66,7% dos pacientes, com um período médio de 6 ± 3,4 meses. O estágio 2 foi o mais comum da doença (71%). As lesões foram predominantemente localizadas na mandíbula (63,5%). O evento local anterior mais comum foi a extração (55,6%). O tratamento cirúrgico foi realizado em 95,7% dos casos, enquanto o tratamento puramente conservador foi realizado em 4,3%.

Os autores concluíram que a ONM é mais prevalente nos locais de extração dentária em pacientes com câncer e que o tratamento cirúrgico, particularmente a cirurgia guiada por fl uorescência, parece ser eficaz no manejo do problema. O uso prévio de bifosfonatos não parece afetar a gravidade nem a taxa de sucesso do tratamento3.

REFERÊNCIAS

  1. Uyanne J, Calhoun CC, Le AD. Antiresorptive drug-related osteonecrosis of the jaw. Dent Clin North Am 2014;58(2):369-84.
  2. Ruggiero SL, Dodson TB, Fantasia J, Goodday R, Aghaloo T, Mehrotra B et al. American Association of Oral and Maxillofacial Surgeons position paper on medication-related osteonecrosis of the jaw – 2014 update. International Journal of Oral and Maxillofacial Surgery 2014;72(10):1938-56.
  3. Aljohani S et al. Osteonecrosis of the jaw in patients treated with denosumab: a multicenter case series. J Craniomaxillofac Surg 2018;46(9):1515-25.

PERSPECTIVAS

Com base na premissa de que as alterações na densidade óssea podem ser um indicativo potencial para o desenvolvimento da ONM, um recente estudo investigou em que grau os bifosfonatos e o denosumabe induzem estas alterações. Os resultados da pesquisa sugerem que os bifosfonatos alteram a microarquitetura do osso alveolar por estarem incorporados ao tecido ósseo, o que pode subsequentemente levar à corticalização específi ca e diminuição na vascularização óssea dos maxilares. Este processo pode ser distinto para o tratamento com os bifosfonatos e parece ser induzido rapidamente após as primeiras administrações. Este efeito não pôde ser determinado em doentes tratados com denosumabe1.

Estes e outros achados parecem mostrar que a proporção de osso cortical mandibular pode ser determinada pela tomografia computadorizada de rotina, sendo muito útil para prever o desenvolvimento da osteonecrose dos maxilares2.

Outro dado promissor é que, enquanto os bifosfonatos são considerados medicamentos antirreabsortivos, as novas modalidades terapêuticas que estão surgindo são anabólicas.

Segundo Amorim e cols., a teriparatida (derivada de ADN recombinante), por exemplo, é indicada para o tratamento da osteoporose com alto risco para fraturas e é agente formador de osso, estimulando-o nas superfícies ósseas trabeculares e corticais, incitando preferencialmente a atividade osteoblástica sobre a osteoclástica. Com isso, o osso novo preenche as cavidades de reabsorção e cria uma camada adicional sobre o osso existente. Já o ranelato de estrôncio é outra droga utilizada na prevenção de fraturas osteoporóticas, em uso em vários países da Europa, e que parece melhorar a osseointegração de implantes3.

Além disso, a combinação do denosumabe (anticorpo monoclonal) com a teriparatida (análogo do paratormônio) é a terapia testada mais promissora até agora. Supostamente, do ponto de vista odontológico, é a ideal por não envolver os bifosfonatos e pela reversibilidade do denosumabe após sua descontinuação3.

REFERÊNCIAS

  1. Heim N, Götz W, Kramer FJ, Faron A. Antiresorptive drug-related changes of the mandibular bone densitiy in medication-related osteonecrosis of the jaw patients. Dentomaxillofac Radiol 2019:20190132 (DOI:10.1259/dmfr.20190132). Epub ahead of print.
  2. Koo CH, Lee JH. Evaluation of mandibular cortical bone ratio on computed tomography images in patients taking bisphosphonates. Maxillofac Plast Reconstr Surg 2018;40(1):17.
  3. Amorim M, Rossetti PHO, Moraes SLC. Bifosfonatos: uma solução ou um problema? INPerio 2018;3(3):408-14.
Figura 1 – Osteonecrose maxilar após a inserção de implantes dentários em paciente fazendo uso de zoledronato intravenoso. Imagem cedida pelo Dr. Márcio de Moraes, da área de Cirurgia Bucomaxilofacial da FOP/Unicamp.
 


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A osteonecrose dos maxilares associada ao uso de medicamentos (Omam) é decorrente de um efeito adverso da terapêutica com antirreabsortivos ósseos (bifosfonatos ou denosumabe) ou fármacos antiangiogênicos (sunitinibe e bevacizumabe). É uma entidade clínica de baixa incidência em termos percentuais. Porém, pelas consequências devastadoras nos indivíduos em que ocorre, hoje pode ser considerada como um dos maiores desafios da clínica odontológica.

É importante lembrar que o diagnóstico da Omam pode ser obtido pela somatória de três condições: 1. Exposição óssea ou presença de fístula intra ou extrabucal, que permita acesso ao osso, na região maxilofacial, com duração superior a oito semanas (Figura 1); 2. Terapêutica atual ou anterior com agentes antirreabsortivos ósseos ou antiangiogênicos; 3. Ausência de história de radioterapia na região da cabeça e pescoço, assim como de metástases ósseas que atinjam a maxila ou a mandíbula1.

Os pacientes com maior risco para a Omam são aqueles que necessitam de extrações dentárias e fazem uso dos bifosfonatos por via intravenosa, para prevenção da perda óssea decorrente do câncer de mama ou de próstata ou de metástases ósseas.

Com o intuito de orientar sobre as melhores práticas na prevenção e gestão de medicamentos relacionados à Omam em pacientes com câncer, recentemente a Associação Multinacional de Cuidados de Suporte em Câncer e a Sociedade Internacional de Oncologia Oral convocaram um painel multidisciplinar de especialistas para avaliar as evidências e formular recomendações para o atendimento odontológico destes indivíduos. A leitura deste artigo é recomendada.

REFERÊNCIA

  1. Yarom N et al. Medication-Related Osteonecrosis of the Jaw MASCC/ISOO/ASCO. Clinical Practice Guideline. J Clin Oncol 2019;37(25):2270-90.



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