“Isso nunca me aconteceu antes”: Marco Bianchini descreve imprevisto inédito em sua carreira, que complicou a realização de um caso clínico.
“Isso nunca me aconteceu antes”. Para os homens que leem esse texto, essa famosa frase é a mais temida a ser falada para as mulheres quando a nossa maior expressão de masculinidade falha. É uma terrível experiência, que muitos de nós já passamos e, eventualmente, passaremos novamente. A solução é entender o porquê disso acontecer e tentar resolver o problema em uma nova intervenção, desde que estejamos devidamente preparados e confiantes. Dizem os experts que este tipo de problema está muito mais relacionado com a mente. O excesso e a falta de confiança podem resultar neste “desastre”, assim como a falta de preparo e de planejamento prévio.
Na Implantodontia, quando enfrentamos os nossos fracassos e acidentes, a reação emocional que nos invade é muito semelhante a esta que eu citei no parágrafo acima, principalmente quando aquele tipo de fracasso realmente nunca nos aconteceu anteriormente. A primeira vez que vivenciamos um fracasso ou acidente em cirurgias de implantes a gente nunca esquece. E foi exatamente isso o que me aconteceu agora, no mês de dezembro, com um paciente que eu havia colocado dois implantes na região dos elementos 26 e 27. Nos parágrafos seguintes, vou descrever o caso clínico ilustrado pelas figuras 1 a 6.
No momento da cirurgia de reabertura desses implantes, eu percebi que a fixação do elemento 26 não havia osseointegrado. Já o implante 27 estava perfeitamente osseointegrado. Parti, então, para a aplicação de um contratorque, a fim de remover o implante e, imediatamente, busquei adaptar a chave própria no implante 26 para que ele fosse removido sem traumas. Não era a primeira vez que eu perdia um implante, e também não era a primeira vez que eu executava uma remoção de implante nessas condições. Sendo assim, eu estava bastante confiante e seguro do que era preciso fazer. E foi este excesso de confiança que me traiu.
Já irritado e impaciente pela falta de osseointegração do implante 26, continuei realizando a técnica de remoção da maneira mais rápida e correta que eu poderia fazer. Porém, em um movimento um pouco mais abrupto, o implante, ao invés de sair da área, acabou mergulhando dentro do seio maxilar e desaparecendo da minha visualização direta. Tentei ainda “pescá-lo” com curetas, mas ele havia se perdido totalmente na imensidão do vazio do seio maxilar. Neste exato momento, a frase que inicia a coluna de hoje me veio à cabeça: “isso nunca me aconteceu antes”. Mas, como diz o ditado popular, “sempre tem a primeira vez”. E a minha hora havia chegado, depois de mais de 25 anos de Implantodontia.
Após controlar a ansiedade e o nervosismo, optei por fechar toda a área cirúrgica, já deixando o implante 27, que estava osseointegrado, com o cicatrizador colocado. Tentar remover o implante 26 através de um acesso traumático tradicional do seio. Mas, nas condições psicológicas em que eu estava, não me pareceu ser o melhor caminho. Respirei fundo, fechei o campo cirúrgico, conversei honestamente com o paciente, explicando tudo o que havia acontecido, sem esconder nenhum detalhe, e solicitei uma tomografia para planejar a intervenção futura que removeria o implante com mais serenidade. As figuras 2, 3 e 4 ilustram o caso.
Com esta tomografia em mãos, solicitei aos meus colegas cirurgiões bucomaxilofaciais, Jonathas Klaus e Matheus Spinella, que me ajudassem no planejamento e execução deste caso. Decidimos pela remoção do implante com a tentativa de enxerto ósseo na porção do seio maxilar onde o implante foi colocado anteriormente – e que nos pareceu ter ainda um remanescente ósseo, que poderia ancorar e nutrir o biomaterial que enxertaríamos. O procedimento foi realizado cinco dias após a cirurgia de reabertura, quando o implante se perdeu no seio. As figuras 5 e 6 ilustram o pós-operatório da remoção do implante e colocação do enxerto ósseo.
Graças à habilidade dos colegas bucomaxilos, Jonathas Klaus e Matheus Spinella, nós conseguimos, além de remover o implante que estava no seio, realizar ainda um enxerto ósseo, que possibilitará a colocação futura de um novo implante na região do 26. Trabalhar com uma equipe competente e dividir as responsabilidades – especialmente nos momentos em que nos encontramos fragilizados pelos insucessos, falhas ou acidentes – é o único caminho para que possamos resolver problemas e seguir em frente na nossa profissão.
Confesso a vocês que esta foi realmente a primeira vez que um implante meu se perdeu no seio. Já tive outras situações em que isso quase aconteceu, mas eu consegui evitar que a fixação se perdesse. Foi mais um aprendizado na nossa intensa rotina de implantodontistas. Após toda essa complicação, me sinto mais preparado e confiante para enfrentar um problema como esse novamente. O segredo para evitar esse contratempo, assim como na vida amorosa, é ter mais planejamento, mais preliminares, menos estresse, mais relaxamento e muita humildade, para entrarmos confiantes e seguros de que teremos um bom desempenho.
“E, quando orares, não sejas como os hipócritas; pois se comprazem em orar em pé nas sinagogas, e às esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa. Mas tu, quando orares, entra no teu quarto e, fechando a tua porta, ora a teu Pai que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará publicamente.” (Mateus 6:5,6)
Marco Bianchini
Professor associado II do departamento de Odontologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); autor dos livros “O Passo a Passo Cirúrgico na Implantodontia” e “Diagnóstico e Tratamento das Alterações Peri-Implantares”.
Contato: bian07@yahoo.com.br | facebook.com/bianchiniodontologia | Instagram: @bianchini_odontologia