Mario Groisman: a Odontologia pós-Covid-19
Mario Groisman: "Precisamos nos unir e cuidar ainda mais dos que estão perto, dos nossos". (Imagem: Panóptica/IN 2019)

Mario Groisman: a Odontologia pós-Covid-19

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Em artigo, o professor Mario Groisman ressalta a importância dos profissionais da Odontologia se reorganizarem, principalmente em relação à logística.

 

Um dos grandes nomes da Odontologia brasileira, o professor Mario Groisman escreveu um artigo para o jornal O Globo, onde refletiu sobre a pandemia de coronavírus (Covid-19) e o seu impacto no futuro dos cirurgiões-dentistas. Confira:

 

A Odontologia pós-Covid-19

Nunca ninguém imaginou passar um dia pelo que está passando em função do coronavírus. Na Odontologia, não foi diferente. Estamos acostumados a nos dedicar a estudos e ao dia a dia do consultório, para manter os pratos equilibrados e girando. Como cuidamos da saúde oral, temos ainda um grau de proximidade com pacientes, como poucos especialistas têm. Lidamos com a fragilidade de todos os tipos de indivíduos, e de vírus que possam ter, mas não estávamos preparados para um dia deixar de atender por uma ameaça de ordem sanitária.

Ao longo de mais de 40 anos de profissão, coleciono inúmeras histórias felizes. Algumas engraçadas, outras nem tanto, algumas desconcertantes, curiosas, de constrangimento. Histórias de pessoas que, cuidadosas com seus sorrisos, chegam a mim e trazem consigo toda a riqueza de troca da minha profissão. Por essa razão, nunca vivi momentos de apreensão tão fortes – como quem olha a morte de perto – quando comecei a entender o que estava acontecendo nessa pandemia e o que isso significaria para a nossa sociedade como um todo.

Depois de um período inicial de luto e anestesia, procurei colegas dentistas que estavam em outros países passando pelo que passaríamos, com a antecedência de duas semanas. Por mais que a gente quisesse fazer diferente aqui, o cenário era igual para todos eles. E a angústia de ter que fechar as portas, ainda que temporariamente, com todas as consequências que isso poderia nos trazer, me fez perder o sono. E as famílias que dependem da minha produção? Foi aí que comecei a perceber que temos um grande aprendizado com essa pandemia e precisamos crescer com ela.

Não. A Odontologia não vai virar pó. Mas, pela forma como ainda seremos ameaçados por esse vírus, muita coisa muda e uma parte substancial não volta a ser como antes. Para começar, precisamos entender que haverá um novo padrão de consumo. O essencial é o grande ponto de equilíbrio. Na clínica, precisamos nos reorganizar sob vários aspectos, mas principalmente em relação à logística, a novos protocolos de atendimento e de segurança, a uma nova experiência no tratamento da saúde oral. Assim como estaremos todos mais conectados do que nunca, e a informação entre profissionais será disseminada mais intensamente ainda, a ponto de não haver mais necessidade de cruzarmos oceanos para dar uma aula ou participar de congressos.

No Brasil, somos cerca de 337 mil dentistas, nem todos com a mesma estrutura de produção. E talvez esteja aí o grande legado do coronavírus, além de, é claro, nos fazer entender o quanto podemos ser vulneráveis diante do que sequer conseguimos enxergar. Não basta ser grande ou pequeno sozinho. Precisamos nos unir e cuidar ainda mais dos que estão perto, dos nossos. Funcionários, amigos, vizinhos, comerciantes locais. Os maiores fortalecendo os menores. Precisamos fazer algo por alguém que está ao nosso lado e que precisa mais do que nós. Certamente, haverá alguém. Seja por simpatia, empatia, ideologia ou sobrevivência.

 

Mario Groisman é presidente da Academia Brasileira de Odontologia