O perigoso movimento de manada na Odontologia

O perigoso movimento de manada na Odontologia

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Marco Bianchini relembra fatos históricos em que o movimento de manada foi prejudicial aos tratamentos odontológicos, e faz uma comparação com o coronavírus.

 

Todos nós estudamos a “teoria da infecção focal” nos nossos primeiros anos de graduação em Odontologia. Mas será que todos nós lembramos do histórico dessa teoria? Vale a pena relembrar a história desta teoria e constatar o que um movimento de manada pode desencadear. Na verdade, o termo “infecção focal” foi apresentado à comunidade médica por Frank Billings, em 1912, e a sua proposição era que dentes ou amígdalas infectadas poderiam ser os responsáveis pela produção de vários tipos de doenças nos seres humanos, tais como artrite, reumatismo, nefrite, apendicite, endocardite e outras doenças de origem desconhecida.

Esses relatos de Frank Billings estimularam uma série de outros pesquisadores a embarcarem nessa onda da infecção focal. Um desses pesquisadores foi Edward  Rosenow que, através de experimentos muito inteligentes para a época, corroborou com os achados de Billings. Ele cultivou bactérias de focos infecciosos encontrados nas amígdalas e dentes dos seus pacientes e injetou estas bactérias na veia de animais. As observações mostraram que as bactérias produziam o aparecimento de lesões nos órgãos dos animais, que correspondiam aos órgãos dos pacientes dos quais as bactérias haviam sido cultivadas.

Rosenow defendeu com unhas e dentes a teoria da infecção focal, em que uma doença distante pode ser provocada por um foco isolado de infecção ou um reservatório de bactérias. O pesquisador afirmava que estes microrganismos ou os seus derivados estavam implicados em doenças que iam da artrite à esquizofrenia. Os argumentos de Rosenow eram bastante nobres, pois iriam preservar vidas em detrimento de uns poucos dentes.

Os achados de Rosenow estimularam mais pessoas a acreditar nessa teoria. O pesquisador inglês Hunt condenou as restaurações dentárias e, assim, se desencadeou uma onda de extrações de dentes para tratar vários tipos de doenças degenerativas. Outro pesquisador, chamado Price, implicou as bactérias do canal dentário, que permanecem após o tratamento endodôntico da raiz, assim como as toxinas produzidas por essas bactérias, como agentes causais de doenças. E, assim, um grande movimento de manada se estabeleceu, aplicando essa teoria e milhares de dentes foram removidos com o falso pretexto de se evitar uma infecção maior que poderia até mesmo levar ao óbito.

Somente em 1938 o pesquisador Cecil apresentou resultados consistentes, que abalaram a teoria da infecção focal. Estudando 200 pacientes com artrite reumatoide, ele verificou que 70% não apresentavam infecção focal. Assim, a partir de 1940, a teoria da infecção focal, como produtora de doenças de difícil explicação ou degenerativas, começou a cair no esquecimento. Foram quase 30 anos de extrações e mutilações desnecessárias, quando uma geração inteira de seres humanos pagou um preço desnecessário pela precipitação de pesquisadores em interpretar precocemente os seus resultados e a justificar os seus atos para o salvamento de vidas.

Outro movimento de manada que ocorreu na Odontologia foi o da “extensão para prevenção”, preconizada por Black a partir de 1908. Todos nós estudamos Black na cadeira de dentística restauradora e o termo “extensão preventiva” ainda é famoso na comunidade odontológica. Esta “extensão para prevenção” representava a ideia de Black que os cirurgiões-dentistas deveriam incorporar mais do que as ranhuras, sulcos, fossas e fissuras nos seus preparos cavitários, a fim de se evitar a recidiva de lesões cariosas.

O pensamento de Black era de que essas fissuras e sulcos profundos, naturais da anatomia dentária, seriam mais facilmente colonizadas por bactérias e a lesão de cárie se instalaria novamente. Assim, a partir desta data e atravessando várias décadas, os preparos cavitários para amálgama eram extensos e destruíam partes sadias dos dentes com o nobre pretexto de se prevenir futuras cáries, evitando novas restaurações, endodontias e até mesmo a extração do dente. Foi somente em 1931 que o pesquisador Broner indicou a primeira modificação nos princípios de Black e, mesmo assim, ainda era uma cavidade bastante destrutiva.

Com o passar do tempo e o surgimento de novos materiais, outras pesquisas foram mostrando que esta teoria não era verdadeira e as cavidades foram ficando mais conservadoras. Contudo, somente na década de 1980, com o advento das resinas compostas e os avanços da Odontologia preventiva, é que os preparos ficaram totalmente conservadores, evitando a destruição prematura de dentes sadios. Porém, já era tarde para algumas gerações em que milhares e milhares de dentes foram mutilados devido a um perigoso movimento de manada, que mais uma vez interpretou erradamente os resultados de suas pesquisas, justificado por atos nobres que salvariam, nesse caso, dentes.

Vivemos hoje um grande movimento de manada no que diz respeito ao coronavírus. O globalismo mundial insiste em reconhecer os dados apenas de uma única corrente de pesquisadores, na qual os achados científicos ainda são precoces e de difícil interpretação. É preciso que se questione os dados, que se publiquem mais pesquisas e que se analise os resultados, respeitando-se as diferenças das populações, no que diz respeito à genética, hábitos alimentares, clima e hábitos comportamentais. Não podemos, mais uma vez, sermos mutilados por interpretações equivocadas de resultados, sob o falso pretexto de uma “extensão para prevenção” ou de uma “remoção do foco infeccioso”.

“E, tendo saído os demônios do homem que estava possuído, entraram estes em uma manada de porcos que habitava naquela região, e a manada, possuída pelos demônios, precipitou-se de um despenhadeiro, atirando-se num lago, onde todos se afogaram.” (Lucas 8:33)