Biomateriais: o futuro em evolução

Biomateriais: o futuro em evolução

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Fernando Mauad e Roberta Sakamoto debatem o papel dos biomateriais nos progressos da Ciência e a importância da cautela na validação dos resultados obtidos.

O desenvolvimento de biomateriais para os tratamentos em Implantodontia e Periodontia envolve pesquisas e inovações que devem ser amplamente estudadas para que a aplicação clínica seja segura e efetiva. É através dessa validação que a Odontologia segue adiante, oferecendo soluções e resultados cada vez melhores.

Para discutir a resposta celular relacionada aos biomateriais e os avanços dessa área, promovemos uma conversa entre Roberta Sakamoto, doutora em Fisiologia e pós-doutora em Cirurgia e Clínica Integrada, e Fernando Mauad, pós-doutor em Biologia Celular. Eles refletem sobre os progressos da Ciência e a importância de ter cautela para a validação dos resultados obtidos quando o assunto é regeneração e reparo ósseo. Acompanhe esse bate-papo.

Fernando Mauad – Fale sobre o que a sua equipe está pesquisando a respeito de resposta celular frente aos biomateriais.
Roberta Sakamoto – Em nosso laboratório, temos uma tradição com as pesquisas in vivo e com as análises histológicas. Passamos por todas as transições dessa especialização e foram surgindo novas ferramentas. Atualmente, presenciamos uma busca por respostas cada vez mais especificadas no que se refere às vias de sinalização. Dessa forma, o que antes observávamos com relação à resposta celular e síntese de matriz, sem distinguir quais proteínas estariam efetivamente trabalhando, hoje é possível precisar os momentos em que essas proteínas atuam e até vias mais específicas e recentes, como as vias de fatores de necrose tumoral e a via 20. A tendência é essa: conforme as ferramentas metodológicas vão surgindo, nós conseguimos aplicá-las para obter estudos cada vez mais especializados com relação às vias de sinalização.

Mauad – Em termos conceituais, não existe um consenso entre regeneração e reparo. Alguns autores dizem que são totalmente diferentes, já outros falam sobre uma mistura de ambos, como regeneração reparadora ou regeneração fisiológica. Qual é sua opinião sobre essa questão?
Roberta – Desde o início de nossas atividades acadêmicas, já sabíamos que não havia um consenso sobre esse tema e que cada escola enxergava da sua maneira. Víamos três conceitos: regeneração, cicatrização e reparação. Nesse contexto, a regeneração existe quando há proliferação de células lábeis, com restituição tanto da forma quanto da função do tecido que foi lesionado; a cicatrização refere-se apenas à restituição da forma; e a reparação apresenta-se como um termo mais abrangente, que engloba tanto regeneração quanto cicatrização. Hoje, vemos nos estudos a reparação como um processo no qual há o restabelecimento dos tecidos a partir de um processo que envolve a formação de tecido de granulação. Na regeneração, há a proliferação de células que vão restabelecer forma e função, situação em que conseguimos ter as células se proliferando por ação de fatores de crescimento, alcançando a restituição de tudo o que foi perdido.

Mauad – Atualmente, entre os clínicos existe uma tendência de fazer associação de matrizes com moléculas bioativas, como PRF e matriz derivada do esmalte. O que você pode nos dizer sobre isso?
Roberta – Acho fantástico, principalmente por funcionalizar as superfícies de materiais com moléculas bioativas e pela associação com fatores de crescimento. Embora seja interessante, é preciso ser muito bem executado, com cuidado em relação ao protocolo, à padronização das técnicas e às análises, para avaliar se a associação foi de fato relevante, além de verificar todos os prós e os contras, e como esse conjunto vai se relacionar com o resultado clínico.

Mauad – Temos as terapias de biologia celular e as terapias com construtos na Engenharia Tecidual. Quais são os desafios futuros na reconstrução tecidual?
Roberta – Há um amplo futuro pela frente: muitas moléculas a serem estudadas e fatores de crescimento em associação aos arcabouços, fazendo a tríade para obter o biomaterial ideal. De fato, precisamos ter muita cautela em relação a como interpretar os resultados. Dependendo das análises realizadas, podem surgir resultados que não sejam tão próximos à realidade no que se refere à resposta biológica. Eu vejo com bons olhos o futuro, no entanto, destaco a cautela necessária para analisar e interpretar os resultados. Temos biomateriais que vão gerar boas respostas, principalmente se essa associação for feita de maneira adequada.

Mauad – De repente, um resultado muito promissor pode mudar de direção por falta de um critério previsto?
Roberta – Sim. Temos materiais com respostas muito boas, mas sabemos que há limitações. Com relação à Engenharia Tecidual e às moléculas, sabemos que algumas associações podem dar resultados interessantes e em outras surgirão limitações. Ao pensar principalmente nos experimentos in vivo, quando introduzimos o biomaterial no organismo vivo que tem tantas vias de sinalização e mecanismos compensatórios, há chances de não obtermos resultados tão bons. Isso ocorre, na verdade, por conta da limitação do modelo, por isso é preciso ter muita cautela. Na área de Fisiologia, nós pensamos bastante nessas reações.

Mauad – Além da pesquisa com biomateriais, quais são suas outras linhas de pesquisa?
Roberta – Temos uma vertente que trabalha com os biomateriais, mas também estudamos as respostas biológicas, reparos ósseos e eventos relacionados a processos de reparo. Porém, nosso foco principal tem sido trabalhar com uso comprometido. Em razão da minha formação em Fisiologia, acabo trabalhando com animais que têm comprometimento sistêmico, como osteoporose (tanto machos quanto fêmeas), hipertensão, diabetes e síndrome metabólica. Um dos principais focos no laboratório tem sido avaliar como está o reparo no osso comprometido por interferência sistêmica. Dessa forma, começamos a trabalhar com implantes e reparo alveolar.

Mauad – Trabalhar com animal comprometido é um modelo interessante para estudar biomateriais?
Roberta – Sim. Por exemplo, quando falamos de alterações de superfície, às vezes, não vemos tantas respostas no caso de animais em equilíbrio. Já em situações onde há um osso comprometido, é muito vantajoso ver as alterações desses materiais para melhorar as respostas biológicas e, assim, tentar compensar aquela interferência sistêmica que prejudicaria a resposta reparacional. Particularmente, como eu sou da área de Fisiologia, tenho um olhar especial para os comprometimentos sistêmicos.

Confira aqui essa entrevista na íntegra e outros conteúdos em www.odonto1.com/pcp.