Incorporação do enxerto ósseo autógeno – estágios iniciais

Incorporação do enxerto ósseo autógeno – estágios iniciais

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Luis Antonio Violin Pereira esclarece a biologia básica dos estágios iniciais (primeira e segunda semana) da incorporação do enxerto ósseo autógeno.

Nesta edição, temos como objetivo esclarecer a biologia básica dos estágios iniciais (primeira e segunda semana) da incorporação dos enxertos ósseos autógenos conduzidos em humanos, através da adaptação de resultados das publicações realizadas em modelos animais.

Por exemplo, a remodelação óssea no cão é aproximadamente duas vezes mais rápida que a do humano; já a do coelho é quatro vezes mais rápida que a do humano. Por este motivo, não é possível afirmar com toda certeza que os períodos para revascularização do enxerto e início da fase de neoformação óssea considerados nesse texto são exatamente os mesmos que ocorrem com os enxertos ósseos inseridos no esqueleto craniofacial de seres humanos.

O que aprendemos com os modelos experimentais de enxertos ósseos autógenos?
Muito do que é conhecido a respeito da biologia da incorporação dos enxertos ósseos autógenos é resultado de experimentos conduzidos na fíbula de cães e coelhos. A princípio, os eventos observados nesses modelos experimentais são similares aos que ocorrem em humanos. Mas, ainda existem lacunas de conhecimento sobre como alguns outros fatores interferem no processo de incorporação dos enxertos – por exemplo, topologia do leito receptor, uso de medicamentos, entre outros.

Sabe-se que a incorporação do enxerto ósseo é sítio receptor-dependente em razão da maior ou menor vascularização local. De modo geral, enxertos ósseos autógenos, quando realizados no esqueleto craniofacial, são revascularizados mais rapidamente do que quando realizados em outras áreas, uma vez que as estruturas anatômicas faciais são altamente vascularizadas.

Quais fenômenos biológicos ocorrem durante a primeira semana após a realização do enxerto ósseo?
Resumidamente, ocorre a formação do coágulo, o processo inflamatório se inicia, o enxerto ósseo começa a ser revascularizado e seus osteócitos passam a apresentar sinais de osteólise (Figura 1).

Figura 1 – Fenômenos biológicos que ocorrem durante a primeira semana após a realização do enxerto ósseo.

Então, o enxerto ósseo autógeno necrosa no leito receptor? Ao remover um enxerto ósseo do leito doador, os vasos sanguíneos da região da osteotomia são rompidos e provocam sangramento dentro e ao redor do enxerto. Este sangramento é benéfico para manter nutridas as células do próprio enxerto durante o transplante (enquanto o leito receptor não assume este papel).

Embora várias manobras cirúrgicas possam ser realizadas para minimizar a extensão da necrose do enxerto ósseo, a maior parte dele necrosa no leito receptor. Isso ocorre principalmente devido à limitada capacidade nutricional própria do enxerto e à velocidade de revascularização, a partir do leito receptor, ficar aquém das necessidades nutricionais das células do enxerto ósseo.

O enxerto ósseo não se osseointegra ao leito receptor: ele é incorporado. “Incorporação do enxerto ósseo” é habitualmente uma expressão clínica utilizada para se referir ao processo de união do enxerto ao leito receptor.

Mesmo após o processo de incorporação, o enxerto ósseo autógeno pode conter regiões necróticas, as quais mantêm propriedades estruturais (lamelas), biomecânicas (mineralização) e moleculares (colágeno, fatores de crescimento etc.), que o capacita a fornecer estabilidade primária a um implante osseointegrável. A estabilidade secundária do implante é obtida durante a progressão do processo de incorporação do enxerto ósseo autógeno.

Quais fenômenos biológicos ocorrem durante a segunda semana após a realização do enxerto ósseo?
Ocorre a formação de um tecido de granulação mais fibroso entre o leito receptor e o enxerto ósseo, o número de células inflamatórias diminui e a atividade osteoclástica se estabelece com o objetivo de fagocitar as áreas necróticas do enxerto ósseo1-2.

Quais fenômenos biológicos ocorrem durante a terceira semana após a realização do enxerto ósseo?
Até o final da segunda semana após a realização de enxertos ósseos cortical e medular em bloco, os fenômenos biológicos envolvidos são muito semelhantes. A partir da terceira semana, são observadas diferenças entre a biologia de incorporação do enxerto ósseo medular e a do enxerto ósseo cortical, principalmente no que se refere à velocidade de progressão

da revascularização, ao creeping substitution (incorporação e remodelação) e às propriedades mecânicas do enxerto5-6.

O que é creeping substitution?
Do inglês “substituição por arrasto”, é o termo utilizado e consagrado para descrever a dinâmica de incorporação do enxerto ósseo no leito receptor. O termo se refere à dinâmica temporal e espacial pela qual o tecido ósseo necrosado do enxerto é substituído por tecido ósseo vital. O creeping substitution é a manifestação do processo fisiológico de remodelação óssea e, assim como na remodelação, é diferente para os enxertos ósseos medular e cortical6-7 – assunto que será abordado nas próximas colunas.

Confira outras edições da coluna “Biologia do dia a dia”, de Luis Antonio Violin Pereira.

REFERÊNCIAS

  1. Goldberg VM, Stevenson S. Natural history of autografts and allografts. Clin Orthop Relat Res 1987(225):7-16.
  2. Burchardt H, Enneking WF. Transplantation of bone. Surg Clin North Am 1978;58(2):403-27.
  3. Yano K, Yasuda H, Takaoka K, Takahashi M, Nakamura H, Imai Y et al. Fate, origin and roles of cells within free bone grafts. J Orthop Sci 2015;20(2):390-6.
  4. Pereira LAVD, Costa CFP, Freitas RM. 50 anos depois da descrição da osteoindução: há conflito de interesse? ImplantNewsPerio International Journal. 2017;2(4):758-9.
  5. Prolo DJ, Rodrigo JJ. Contemporary bone graft physiology and surgery. Clin Orthop Relat Res 1985(200):322-42.
  6. Burchardt H. The biology of bone graft repair. Clin Orthop Relat Res 1983(174):28-42.
  7. Buck DW, Dumanian GA. Bone biology and physiology: part II. Clinical correlates. Plast Reconstr Surg 2012;129(6):950e-6e.