Coronavírus: prudência ou histeria coletiva?
Lavar as mãos é uma das principais recomendações contra o coronavírus. (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)

Coronavírus: prudência ou histeria coletiva?

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Em meio à pandemia de coronavírus, Marco Bianchini analisa duas correntes de pensamento sobre a crise.

Essa, provavelmente, é a coluna mais longa que eu escrevi desde que iniciamos aqui neste espaço, em 2012. Espero que o leitor tenha paciência e persistência para ler até o final. Talvez tenha sido também a mais difícil e demorada para eu concluir, pois são muitas as dúvidas que todos nós temos a respeito deste tema. Contudo, não há como fugir deste assunto. Todos, principalmente nós, cirurgiões-dentistas, que somos da área da Saúde, temos que nos envolver para enriquecer o debate e chegar a conclusões verdadeiras. Até mesmo os nossos erros darão uma contribuição para que soluções definitivas sejam encontradas para esta doença, que tão fortemente nos atinge.

No dicionário, prudência significa virtude que faz prever e procura evitar as inconveniências e os perigos; cautela, precaução. Também pode significar calma, ponderação, sensatez, paciência ao tratar de assunto delicado ou difícil. Na Wikipédia, classicamente, a prudência é considerada uma das principais virtudes que o ser humano pode alcançar. Em outras palavras, prudência “dispõe a razão para discernir em todas as circunstâncias o verdadeiro bem e a escolher os justos meios para o atingir”. Na Bíblia Sagrada, encontramos em Mateus (10:16) uma referência muito interessante sobre a prudência: “E disse-lhes Jesus: eu vos envio como ovelhas para o meio de lobos. Sejam, portanto, prudentes como as serpentes e sem malícia como as pombas”.

Já a histeria coletiva, segundo a Wikipédia, também conhecida por histeria em massa, é o fenômeno sócio-psicológico, definido pela manifestação dos mesmos ou semelhantes sintomas histéricos, por mais de uma pessoa. Uma manifestação comum de histeria coletiva ocorre quando um grupo de pessoas acredita que sofre de uma doença ou padecimento semelhante. A histeria coletiva começa tipicamente quando alguém adoece ou torna-se histérico durante um período de estresse. Após a demonstração dos sintomas pelo indivíduo inicial, outras pessoas começam a manifestar sintomas semelhantes, que podem incluir náuseas, fraqueza muscular, convulsões ou dores de cabeça. No dicionário, histeria é descrita como um comportamento caracterizado por excessiva emotividade ou por um terror e pânico exacerbados.

Desde o final de 2019, quando a epidemia eclodiu no norte da China, estamos sendo bombardeados por informações sobre o coronavírus. O que parecia ser apenas uma gripe mais forte, se tornou oficialmente uma pandemia na quarta-feira (11/3), após um anúncio da Organização Mundial da Saúde (OMS). Depois deste anúncio, o mundo entrou em choque. Os mercados desabaram e uma forte onda de preocupação e pessimismo tomou conta da maioria da população mundial, em função do número crescentes de contágios, dificuldades no diagnóstico, incertezas no tratamento e aumento das mortes, especialmente em idosos.

Alguns pontos sobre o aparecimento dessa doença devem ser fortemente esclarecidos e dignos de reflexão intensa. A doença apareceu na China, um país que não vive uma democracia, que não tem nem imprensa livre, não tem internet livre e que não tem liberdade de expressão. Estas características fizeram com que as primeiras atitudes do governo chinês, que foram extremamente erradas, não fossem divulgadas, criticadas e tampouco combatidas.  E o pior é que, por ser a China um grande comprador mundial, as críticas que ela está recebendo atualmente, pelo combate inicial errado ao coronavírus, ainda são bastante amenas. A hipocrisia da maioria dos países do mundo prefere “passar a mão na cabeça da China” e relevar os graves erros por ela cometidos, do que perder um cliente em potencial. É o ser humano sendo ser humano. Quem quiser se aprofundar nesse tema, entre no Twitter do Rodrigo da Silva.

Após estas constatações, duas correntes de pensamentos e análises desta pandemia se formaram: a primeira corrente é daqueles que consideram a situação extremamente grave e que medidas drásticas devem ser tomadas, como as quarentenas e o confinamento total das populações até que o contágio diminua, diminuindo também o número de óbitos. A segunda corrente é aquela que considera a situação também extremamente grave, mas que as medidas drásticas, como quarentenas e confinamentos, deveriam ser executados com mais cautela, dando preferência a ações mais diretamente ligadas ao diagnóstico precoce, que automaticamente também diminuiria o número de óbitos. Dentro dessas duas linhas de pensamento, nós vamos sendo bombardeados diuturnamente por informações que defendem um lado ou o outro ou até mesmo os dois. A pergunta é: qual caminho seguir? Em quem acreditar?

Jürgen Klopp, técnico do Liverpool, equipe de futebol da Inglaterra, talvez tenha dado a melhor declaração sobre em quem acreditar e consultar sobre a pandemia do coronavírus. Ele foi questionado, no início de março, se estava preocupado com a possibilidade de o novo coronavírus se alastrar ainda mais e atrapalhar as competições. O técnico alemão respondeu que a opinião de um treinador de futebol sobre este assunto não tem a menor importância, assim como também não tem importância a opinião de “famosos” sobre este assunto. As perguntas têm de ser feitas às pessoas corretas, não a quem não tem conhecimento, como ele. Para opinar sobre um assunto tão específico, deve-se falar com as pessoas que realmente tenham conhecimento e autoridade sobre isso, concluiu Klopp.

Assim sendo, nós até podemos discordar e criticar o que as autoridades estão tomando de decisões a respeito da pandemia de coronavírus. Podemos, também, achar exageros ou negligências nas suas posições. Porém, não existe ninguém mais qualificado para obedecermos neste momento do que as autoridades de Saúde, constituídas pelos seus respectivos governantes. É a elas que devemos seguir, pois são as pessoas mais qualificados para tomar decisões. No futuro, talvez algumas dessas decisões possam se mostrar erradas ou exageradas. No entanto, alguém tem que comandar e decidir neste momento delicado, e cabe a nós acatar essas decisões. Como disse o apóstolo Pedro: “Por causa do Senhor, sujeitem-se a toda autoridade constituída entre os homens; seja ao rei, como autoridade suprema, seja aos governantes, como por ele enviados para punir os que praticam o mal e honrar os que praticam o bem” (1 Pedro 2: 13,14).

Entendido este assunto, passamos para o plano da turma do quanto pior melhor e dos exageros que vem sendo cometidos. É nítido o papel histérico e desinformativo que alguns órgãos de comunicação e políticos vêm fazendo sobre esta pandemia. Acusam seus adversários e tomam decisões de apelo demagógico e eleitoreiro, sem o mínimo de senso científico, apostando no caos como fonte de notícias e também na desestabilização geral, para obterem proveito próprio. Em um momento em que as atitudes deveriam ser eficazes e patrióticas, somos bombardeados com fake news e decisões precipitadas, que abalam outros alicerces de uma sociedade. Decisões sem cunho científico, atabalhoadas e precipitadas, só aumentam a histeria coletiva que já se alastrou. Além disso, irão causar danos semelhantes aos do coronavírus em um futuro muito próximo.

A maioria dos países está adotando o confinamento total das pessoas ou a quarentena, como forma de evitar que o vírus se espalhe através do distanciamento social. Parece ser uma medida bastante lógica e aceita pela maioria da população. Entretanto, está longe de ser totalmente efetiva, uma vez que uma segunda onda de contaminação parece estar ocorrendo na China, berço do vírus. Nos últimos cinco dias, a China registrou mais casos de coronavírus vindos de fora do que infecções ocorridas dentro do seu território. Na última quarta-feira (18), o país não registrou um único caso local pela primeira vez desde que o surto começou, em dezembro passado. Porém, foram identificados 34 novos infectados, e todos eles chegaram do exterior. Só em Hong Kong houve 25 novos casos de estrangeiros contaminados, entre terça e quarta-feira. Como controlar isso?

Existem alguns países, como Reino Unido e Holanda, que estão apostando em outras formas de combate a esta pandemia. A Holanda, por exemplo, quer promover a ‘imunidade coletiva’ para a Covid-19: mais pessoas seriam contaminadas com a doença para, assim, ficarem imunizadas. O primeiro-ministro da Mark Rutte quer promover a aquisição da ‘imunidade coletiva’ rejeitando o princípio do confinamento, como decretado em países como Itália e França. Segundo ele, é preciso que um número máximo de pessoas desenvolva naturalmente anticorpos para a Covid-19. Contudo, os críticos a este modelo afirmam que ele também não evitará as mortes em massa. Para se ter uma ideia, um modelo matemático apresentado por pesquisadores britânicos ao seu primeiro ministro, Boris Jonhson, está fazendo o premier britânico voltar atrás.

A Coréia do Sul, que embora também possa sofrer com uma aparente segunda onda da doença, a meu ver, ainda parece estar na frente dessa luta da humanidade contra o coronavírus. Senão vejamos: apesar de ter um alto número de casos diagnosticados (por volta de 8.162, o quarto mais alto do mundo), o número de mortes no país até 16 de março foi de 75. Esse dado representa uma taxa de letalidade de 0,9% — menor que as taxas de Estados Unidos, Itália e Irã.

Ao contrário de China, Itália e França, que optaram por confinar milhões de pessoas, a Coreia do Sul adotou uma estratégia que combina informações ao público, participação da população e uma campanha de testes em massa. Sem falar no número de leitos para atendimento dos casos mais graves, dando suporte intenso aos mais necessitados. Foi um investimento bilionário focando no alvo certo: diagnóstico precoce e detecção das áreas de risco, sem afetar em demasia a vida das pessoas. A Alemanha também apresenta um número bastante reduzido de mortes, principalmente devido à boa disponibilidade de leitos hospitalares para o atendimento dos casos que precisam de internação.

A Coreia do Sul realizou uma campanha agressiva para combater o vírus e disponibilizou todo o seu sistema de saúde para diagnosticar a presença da Covid-19 nos habitantes de áreas críticas do país. O exemplo mais interessante sobre isso é que os Estados Unidos e a Coreia do Sul anunciaram o primeiro caso de coronavírus em cada um deles no mesmo dia, 20 de janeiro. Até os primeiros dias de março, os norte-americanos tinham feito teste em 4,3 mil pessoas em seu território. Já o país asiático chegou a 196 mil testes no mesmo período. Atualmente, os testes já chegam a 220 mil pessoas e continuam aumentando (são cerca de 10 mil testes por dia, em média). Recentemente, foi autorizado o fornecimento de um novo teste às clínicas para diagnosticar o Covid-19 em seis horas, o que deve melhorar ainda mais o combate à doença, diminuindo os óbitos.

O grande aprendizado disso tudo que está acontecendo no mundo é que precisamos investir cada vez mais em saúde. Se todos os países tivessem leitos suficientes para atendimento da população, não haveria problemas para cuidarmos dos doentes mais graves e não haveria a necessidade deste confinamento insano. O leitor pode pensar: isso é uma utopia! Mas eu rejeito fortemente este discurso. Não é utopia! Bilhões de dólares são desperdiçados no mundo, investindo em áreas não tão importantes. Por que não priorizarmos a Saúde? Bilhões de pessoas morrem no mundo de outras doenças que poderiam ser facilmente erradicadas se houvesse um investimento sério na Saúde. Porém, a maioria dos que morrem são pessoas… pobres. Já o coronavírus pegou em cheio também as classes mais altas. Este vírus não faz seleção por renda e isso fez o mundo tremer.

Estamos todos no mesmo barco nesse enfrentamento mundial. Não é hora para abutres e oportunistas de plantão. As decisões devem ser tomadas com muita prudência, mas sem histeria coletiva, para que exageros não sejam cometidos e o preço a pagar por isso seja tão alto quanto os efeitos da pandemia. Evidências científicas devem nortear todas as decisões e as autoridades competentes de saúde devem ter uma voz ativa nestas decisões. Felizmente, algumas medicações que estão sendo testadas parecem estar dando bons resultados, trazendo mais esperança para todos nós. Vamos ser positivos! Que tenhamos muita compaixão neste momento, acolhendo as dores dos nossos semelhantes, em detrimento de interesses pessoais e econômicos. Como disse Jesus em Lucas 10, 33-34: “viu, sentiu compaixão e cuidou dele”.

Fontes:

Wikipedia. 

UOL. [On-line]. Disponível em: <www.noticiasuol.com.br>. Acesso em:11-3-20.

Bbcnews. [On-line]. Disponível em: <www.bbc.com>. Acesso em:16-03-20.

O Globo. [On-line]. Disponível em: <www.0globo.com.br> . Acesso em:17-03-20.

G1. [On-line]. Disponível em: <www.g1.globo.com>. Acesso em:18-03-20.

Istoé.  [On-line]. Disponível em: <www.istoe.com.br>. Acesso em:19-03-20.

Valor.[On-line]. Disponível em: <www.valorinveste.globo.com> Acesso em: 20/03/20.

Revista Forum.  [On-line]. Disponível em: <www.revistaforum.com.br>. Acesso em: 20-03-20.

“Deus é o nosso refúgio e a nossa fortaleza, auxílio sempre presente na adversidade. Por isso não temeremos, embora a terra trema e os montes afundem no coração do mar, embora estrondem as suas águas turbulentas e os montes sejam sacudidos pela sua fúria. Há um rio cujos canais alegram a cidade de Deus, o Santo Lugar onde habita o Altíssimo. Deus nela está! Não será abalada! Deus vem em seu auxílio desde o romper da manhã. Nações se agitam, reinos se abalam; ele ergue a voz, e a terra se derrete. O Senhor dos Exércitos está conosco; o Deus de Jacó é a nossa torre segura”. (Salmos 46:1-7)