Eduardo Dias de Andrade traz uma sugestão de protocolo de atendimento odontológico de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica.
A obesidade mórbida é uma doença crônica multifatorial, ou seja, dura por longos períodos e sua etiologia está relacionada a vários fatores, por exemplo, predisposição genética, desordens glandulares ou gastrointestinais, alterações nervosas e psicológicas, erros alimentares e falta de exercícios físicos. Ela pode ser a mola propulsora para o desenvolvimento de várias outras doenças de alto risco à saúde, como hipercolesterolemia, hipertensão arterial, complicações cardíacas, diabetes, entre outras1.
O controle da obesidade mórbida pode ser obtido pela gastroplastia – também chamada de cirurgia bariátrica ou cirurgia de redução do estômago –, por meio de diferentes técnicas, com o objetivo de reduzir o peso de pessoas com o índice de massa corporal (IMC) acima de 40 kg/m2. A título de informação, para obter o IMC, basta dividir o peso pelo quadrado da altura do indivíduo. Exemplo: 150 kg/(1,75 m)² = 49 kg/m2.
Os resultados esperados com a cirurgia bariátrica incluem: perda de peso e melhora das comorbidades relacionadas e da qualidade de vida. Apesar disso, algumas consequências negativas têm sido relatadas, tais como, osteoporose, hiperparatireoidismo, problemas renais, deficiências nutricionais, regurgitação crônica e problemas bucais1.
Segundo a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), após a cirurgia bariátrica, o paciente já sai do hospital, em média, com dois quilos a menos. Nos primeiros meses, a redução no peso chega a ser de sete a oito quilos. Os pacientes com quadro de diabetes melhoram bastante, reduzindo ou até mesmo interrompendo o uso de insulina. A complicação mais difícil de ser tratada é a hipertensão arterial. A pressão arterial demora mais a estabilizar e o paciente não pode interromper o uso dos anti-hipertensivos2.
Do ponto de vista nutricional, os pacientes submetidos à cirurgia bariátrica deverão ser acompanhados pelo resto da vida, para que possam receber orientações específicas de elaboração de uma dieta qualitativamente adequada. Em alguns casos, pode haver a necessidade de suplementar a dieta com vitamina B12, cálcio e ferro2.
Após a cirurgia bariátrica, a capacidade gástrica diminui e, por consequência, ocorre a redução da superfície intestinal. Além de interferir na absorção de nutrientes, a absorção de certos medicamentos também pode ser prejudicada em função das alterações fisiológicas do sistema digestório e das mudanças metabólicas3.
RISCO DE SANGRAMENTO GASTROINTESTINAL COM O IBUPROFENO E OUTROS AINES
Hemorragia, ulceração ou perfuração gastrointestinal, que podem ser fatais, foram relatadas em relação a todos os anti-inflamatórios não esteroides a qualquer momento do tratamento, com ou sem sintomas de advertência ou histórico prévio de eventos gastrointestinais graves.
O risco de hemorragia, ulceração ou perfuração gastrointestinal é maior com o aumento das doses de Aines em pacientes com histórico de úlcera péptica, particularmente se complicada com hemorragia ou perfuração, e em idosos. O mesmo se aplica aos portadores de outras doenças gastrointestinais, como a colite ulcerativa e doença de Crohn, pois estas condições podem ser exacerbadas.
Recomenda-se evitar o uso do ibuprofeno e de outros Aines nos casos de pacientes que estão recebendo concomitantemente medicamentos de uso contínuo que podem aumentar o risco de ulceração ou sangramento, por exemplo, anticoagulantes como a varfarina, antiagregantes plaquetários como o ácido acetilsalicílico ou clopidogrel, corticosteroides orais ou inibidores seletivos de recaptação de serotonina.
SUGESTÃO DE PROTOCOLO DE ATENDIMENTO ODONTOLÓGICO DE PACIENTES SUBMETIDOS À CIRURGIA BARIÁTRICA
A cirurgia bariátrica passou a ser a única intervenção eficaz, a longo prazo, no tratamento da obesidade mórbida. Uma série de fatores evidencia a importância de alguns cuidados adicionais que devem ser tomados com a saúde bucal, ressaltando a importância da integração do cirurgião-dentista à equipe multiprofissional que atende esses pacientes.
Assim sendo, cabe a nós, dentistas, contribuirmos para estabelecer um protocolo de atendimento odontológico para “pacientes bariátricos”, pois não há referências a respeito na literatura científica. O que se segue é apenas uma proposta para esta finalidade. Comentários e sugestões para melhoria serão sempre bem-vindos e podem ser enviados para eandrade@unicamp.br.
- Procedimentos eletivos: em pacientes recém-operados, discutir com o médico sobre o período mais propício para poder agendá-los.
- Anamnese: investigue as possíveis comorbidades, como hipertensão arterial, diabetes etc. Avalie os sinais vitais antes de cada consulta e certifique-se de que o paciente tomou a medicação prescrita pelo médico no dia do procedimento.
- Anestesia local: lidocaína 2% com epinefrina 1:100.000 ou articaína 4% com epinefrina 1:100.000. Como a mepivacaína possui metabolização hepática e excreção renal mais lentas, evite empregá-la em pacientes com alterações da função renal ou com histórico de hepatite recente.
- Cirurgias bucais que limitam a função mastigatória: considere, junto ao médico, a necessidade de adequação da dieta alimentar pré e pós-operatória.
- Urgências odontológicas (exemplo: pulpites e infecções bucais): como irão exigir o pronto atendimento em qualquer período, trocar informações com o médico para avaliar o risco/benefício do uso dos anestésicos locais, ansiolíticos, analgésicos, anti-inflamatórios e antimicrobianos, no sentido de evitar interações farmacológicas adversas, pois não é incomum que pacientes recém-operados estejam fazendo uso contínuo de medicamentos como os anti-hipertensivos, hipoglicemiantes, antiagregantes plaquetários ou anticoagulantes para tratar as comorbidades.
- Formas farmacêuticas: preferir as formas farmacêuticas líquidas (solução oral, solução oral “gotas”, suspensão, elixir etc.). As soluções injetáveis por via intramuscular também são vantajosas, pois não têm que ultrapassar a barreira gastrointestinal para serem absorvidas para a corrente sanguínea.
Quanto às formas farmacêuticas sólidas, a redução do estômago impacta no processo de desintegração de cápsulas, comprimidos e formas de liberação prolongada. O pH gástrico tende a ficar mais alcalino, o que reflete na absorção de medicamentos solúveis em meio ácido e na desintegração de medicamentos de liberação entérica. Como a área de superfície do trato gastrointestinal diminui, ocorre também a redução da biodisponibilidade de medicamentos que são essencialmente absorvidos nas regiões iniciais do intestino, como duodeno e jejuno4.
Abrir uma cápsula ou triturar comprimidos são práticas comuns entre pacientes que passaram por cirurgia bariátrica, pela restrição da ingestão de formas farmacêuticas sólidas durante as primeiras semanas pós-cirurgia. Além de nada práticas, essas soluções caseiras são imprecisas e podem comprometer a eficácia do medicamento4.
O produto manipulado em farmácias de referência pode ser uma boa alternativa, pois permite escolher a forma farmacêutica mais adequada para o tratamento. O medicamento manipulado tem a versatilidade de ser ajustado, priorizando formas líquidas e mais concentradas, para que o volume ingerido seja menor. É possível fazer associações para evitar o uso de muitos medicamentos, preparar formas de liberação imediata ou até preparar cápsulas ou comprimidos de tamanhos menores4.
REFERÊNCIA
- Moura-Grec PG et al. Consequências sistêmicas da cirurgia bariátrica e suas repercussões na saúde bucal. ABCD Arq Bras Cir Dig 2012;25(3):173-7.
- Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Cirurgia bariátrica: mitos e verdades (On-line). Disponível em: <https://www.endocrino.org.br/cirurgia-bariatrica-mitos-e-verdades/>. Acesso em: 12-11-2019.
- Domingues TES, Assunção DPSF. A importância do farmacêutico no pré e pós-operatório de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica. Visão Acadêmica, Curitiba 2017;18(3):47-64.
- Revista da Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais. 2015;106:12-7.
Eduardo Dias de Andrade
Graduado, mestre, doutor, livre-docente e professor titular na área de Farmacologia, Anestesiologia e Terapêutica – FOP/Unicamp. Autor dos livros Terapêutica Medicamentosa em Odontologia e Emergências Médicas em Odontologia.
Orcid: 0000-0001-8889-2194.