Pesquisador brasileiro Gabriel Magrin conquistou a maior honra da EAO com estudo sobre o efeito dos ácidos graxos de cadeia curta em células do epitélio oral.
Por Andressa Trindade
Desafiar-se, esforçar-se e ir além dos conhecimentos já adquiridos. Foi com esse pensamento que Gabriel Magrin decidiu iniciar sua pesquisa sobre a influência dos ácidos graxos acetato, propionato e butirato em células inflamadas do tecido gengival humano. Esse estudo foi tema da pesquisa do doutorado sanduíche realizado por Magrin na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sob orientação do professor César Benfatti, e na Medical University of Vienna (na Áustria), sendo orientado pelo professor Reinhard Gruber.
A oportunidade foi possível graças à bolsa de estudos conquistada no Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE), fomentado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A pesquisa rendeu a Magrin um notório prêmio da Odontologia mundial: o European Prize for Basic Research in Implant Dentistry (Prêmio Europeu de Pesquisa Básica em Implantodontia), maior honra da European Association for Osseointegration (Associação Europeia de Osseointegração – EAO) para a categoria de pesquisa básica (laboratorial), durante o 28o Encontro Científico da EAO que aconteceu em setembro, em Lisboa. “A pesquisa in vitro foi realizada no laboratório de Biologia Oral da Medical University of Vienna.
Os estudantes da graduação já haviam obtido alguns resultados preliminares sobre a ação de ácidos graxos de cadeia curta em diferentes linhagens celulares. Após identificarmos diversas lacunas e controvérsias na literatura, eu e meus orientadores do Brasil decidimos expandir o projeto e avaliar mais a fundo os mecanismos dos ácidos graxos relacionados à inflamação periodontal”, detalha.
Intitulado Short-chain fatty acids modulate cytokine-induced inflammation in human oral epithelial cells (em tradução livre, Ácidos graxos de cadeia curta modulam infl amação induzida por citocinas em células humanas do epitélio oral), o trabalho analisou o efeito dos ácidos graxos de cadeia curta em células do epitélio oral. “Os ácidos graxos de cadeia curta são moléculas com, no máximo, seis carbonos e produzidas a partir da digestão celular de bactérias localizadas principalmente no intestino. Uma parcela dessas moléculas pode entrar no sistema circulatório e exercer diferentes efeitos no organismo, atuando principalmente em doenças inflamatórias crônicas, como a artrite reumatoide e algumas doenças cardíacas. Contudo, seu efeito na doença periodontal ainda não é bem esclarecido”, explica Magrin. Outro fato interessante é que bactérias associadas à doença periodontal também produzem ácidos graxos de cadeia curta durante o seu metabolismo e já existe uma evidência sólida de que tais moléculas são encontradas em grande quantidade em sítios afetados pela periodontite.
Durante a pesquisa realizada na Áustria, o processo inflamatório foi estimulado por meio de citocinas pró-inflamatórias em células do epitélio oral. “Na sequência, os ácidos graxos acetato, proprionato e butirato foram depositados sobre as células, que responderam com um potente efeito anti-inflamatório. O principal resultado foi a alteração na expressão da molécula de adesão intercelular-1, responsável pela migração de células de defesa para os tecidos inflamados. Portanto, constatou-se que os ácidos graxos de cadeia curta possuem um papel de modulação durante o desenvolvimento da doença periodontal, o que pode ter influência na progressão da patologia”, relata o vencedor do prêmio.
Até chegar a essa conclusão, houve um caminho de muito aprendizado, adaptação e dedicação, já que Gabriel Magrin é clínico e, apesar de já ter participado de estudos in vitro, seus trabalhos de pesquisa no Brasil não envolviam métodos de cultura celular. “Mergulhei em um mundo novo, que me tomou alguns meses durante a fase de adaptação no exterior. Minha motivação foi se tornando cada vez maior à medida que eu aprendia as técnicas laboratoriais e que os primeiros resultados foram aparecendo. O tema de pesquisa foi me encantando e ficando cada vez mais interessante”, afirma.
Além de ser uma imensa realização pessoal, o prêmio da EAO conquistado em Lisboa também é importante para a Odontologia nacional. “Representar o Brasil em um dos maiores congressos de Implantodontia do mundo é uma honra. Nossa Odontologia já está bem inserida no panorama mundial e é muito respeitada, contudo ainda podemos ganhar mais reconhecimento como produtores de Ciência de ponta. Prova disso é que fui o único latino-americano premiado na edição de 2019 do evento. Carecemos, infelizmente, de estrutura para competir igualmente com as mais renomadas universidades e centros de pesquisa de países desenvolvidos. Esse prêmio mostra que as parcerias internacionais podem ajudar a contornar nossas dificuldades de investimento e facilitar a produção de pesquisas de alto nível”, argumenta Gabriel Magrin.
DO MESTRE COM CARINHO
Aqui no Brasil, Gabriel Magrin teve um forte apoio do seu orientador Cesar Benfatti, que o acompanhava desde o mestrado e já o enxergava como um futuro docente e pesquisador de excelência. “A maioria dos estudantes tem a paixão pela clínica muito aflorada e nós, professores, precisamos incentivar a paixão pela pesquisa. Há uma tendência em criticar a área de pesquisa, colocando-se a Ciência e a clínica como dicotômicas e até mesmo dizendo que o pesquisador não será um bom clínico ou não terá retorno financeiro. Não concordo com essa visão, que pode ser prejudicial aos jovens que ainda têm uma longa estrada para pavimentar. Quando um estudante de mestrado ou doutorado termina sua pesquisa e não se apaixona pela docência e pela Ciência, quem fracassou foram os preceptores”, conclui Benfatti.
Muito obrigado pela oportunidade e pelo incentivo! Que a pesquisa brasileira seja cada vez mais reconhecida internacionalmente.